Relato de desmame gradual, parte 2

Este relato demorou quase 1 ano pra ser escrito. E só foi escrito porque me dei conta de que as lembranças já começaram a ser guardadas nas gavetinhas mais escondidas e inacessíveis da memória e não acho justo deixar estas palavras sumirem no tempo, porque eu e João merecemos poder lê-las em algum momento.


Como bom relato de fim, convém começar pelo começo e nosso começo foi conturbado.


João nasceu prematuro, às 34 semanas completas, num parto normal induzido, humanizado, tão perfeito quanto poderia ser. Não permaneceu no meu colo, como bebê prematuro que era, precisou ser avaliado para só então conseguir gozar de alguns minutos de contato pele a pele e da sua primeira mamada.


A partir daí, enfrentamos 13 dias até a nossa alta. Rotina de UTI. Mamadas curtas e regulares. Icterícia. Dificuldade de ganho de peso. Mamadas aflitivamente curtas. Perda de peso. Complementa. Não, ordenha. Oferece chupeta. Não. Mamadeira de seu leite. Por favor, não. As mamadas são muito curtas. Ele tem icterícia. Banho de luz… Ok, complementa na seringa. Ele rejeita, dá o peito mesmo. Perde peso. Ganha pouco peso. Vai pro quarto. Hipotermia. Volta pra UTI. Icterícia. Mais banho de luz. Não cede. Não engorda. Precisa ganhar peso. Precisa não ter rebote. Precisa ganhar peso. Retira o banho de luz. Vai pro quarto. Finalmente. Alta.


Já em casa, um neném pequeno, minúsculo, que dormia bem, mamava bem, gostava de colo, mas também se ninava tranquilo… A experiência de ser mãe pela segunda vez ajuda a lidar bem com as adversidades: Hiperlactação. Engasgos, golfos, vômitos… Talvez a tranquilidade que enxergo nesta fase seja já pela carícia do tempo que não deixa enraizar as más memórias. Mas lembro de ser tranquilo e fácil.


Em um mês em casa, resolvemos a icterícia e o ganho de peso foi tão considerável que já tinha um bebê que não havia de se falar que não havia nascido a termo.


Assim fomos tranquilos, mamadas rápidas até os 6 meses. Introdução alimentar tranquila e demorada, comia piticos, um passarinho. Mas as mamadas continuavam tão curtas e infrequentes quanto no início, então, com a doçura das memórias desbotadas, poderia dizer que foi fácil. Até chegar o primeiro ano e meio.


Com 1 ano e meio, João começou a dormir no quarto que ele divide com o irmão. A adaptação foi tranquila, dentro do esperado. Dormi com ele nas primeiras noites, depois fui aos poucos voltando pro meu quarto e retornando para as poucas mamadas da madrugada. Era mais uma etapa de um processo que começamos no primeiro ano, quando comecei a delimitar locais específicos para mamar, pra onde eu ia sempre que ele pedia o peito e não aceitava outras opções.


Com 1 ano e 8 meses, iniciamos a adaptação na escola. Aquele processo já trouxe uma mudança na amamentação. Como qualquer grande mudança, alguma ansiedade acabou aumentando o tempo e a frequência das mamadas. Nada que não fosse esperado. Menos de 2 meses depois, começamos aquele período tenebroso do qual queremos esquecer: isolamento social. Somos uma família de 4 que fez um isolamento bastante rigoroso no ano de 2020. E vi uma clara diferença nas mamadas e no sono de João.
Além de mamar com mais frequência, com dificuldade de largar o peito, ele começou a acordar de madrugada e ter imensa dificuldade para voltar a dormir. Queria mamar, queria brincar, mamar, brincar, mamar… Queria fazer qualquer coisa, exceto dormir. Foram meses de exaustão!


Pouco depois do terceiro ano de João, comemorado com convidados em videochamada, tive uma lesão de dermatite no mamilo esquerdo. As dermatites já se espalhavam pelo corpo, respondendo àquela soma de fatores físicos e psicológicos: isolamento social, mais rotinas de limpeza da casa, mais rotinas de manipulação e preparação de alimentos, mais rotinas de tentar promover algumas atividades para os meninos… Tudo isto se manifestou com lesões por todo o corpo, que ia lidando como podia, mas, agora, com aquela lesão no mamilo, foi necessário pedir ajuda pra João lidar com aquilo também.


Expliquei que aquele peito estava dodói, mostrei o machucado, ele entendeu e passou a mamar apenas no outro “tetê dengo”, apelido que ele criou pra o peito. E ele seguiu mamando, sempre olhando o peito dodói pra ver se estava melhor e, quando estava melhor, não quis voltar a mamar nele, apenas fazia carinho e dava beijinhos.


Neste ponto, já estava limitando o tempo das mamadas e já não oferecia o peito nem mesmo para dormir, esperando que ele mesmo solicitasse se achasse importante. Ele sempre solicitava. Ele sempre queria mais e mais uma contagem até 10. Até que não quis. Foi aceitando menos ciclos de “tetê até 10”. Aos poucos, foi adormecendo enquanto eu lia a história para ambos. Foi esquecendo da mamada de dormir, da mesma forma que as demais mamadas tinham sido esquecidas ao longo do dia.


João tinha 3 anos e 9 meses quando me dei conta de que não mamava mais. Não sei exatamente quando foi a última vez, estimo que tenha sido por volta dos 3 anos e 6 meses, mas não tenho como ter certeza. Não tivemos muitas fotos mamando, mas tivemos uma história de muita parceria, compreensão e companheirismo durante este processo.

Relato de desmame gradual

Há tempos que quero elaborar e escrever este relato. Mas a vida foi se atropelando e só agora consegui elaborar tudo o que aconteceu. E não dá pra falar do desmame, em si, sem mencionar toda a nossa história de amamentação, porque um desmame respeitoso não é um evento, é um processo longo que acontece desde a introdução alimentar, com passos guiados por um e por outro, às vezes em sincronia, às vezes com tropeços, mas com uma dupla sempre tentando acertar seus passos nessa dança.

Gabriel mamou desde a primeira hora de vida. Mamou exclusivamente até os 6 meses, quando iniciou a introdução da alimentação complementar (IAC), primeiro movimento de limitação da livre demanda (LD).

Por volta dos 9, 10 meses, comecei a sentir muita perturbação. Foi um momento muito difícil da amamentação. Envolveu um desprendimento muito grande de mim, porque as mamadas, sobretudo as noturnas, eram repletas de pensamentos de angústia, aversão, regadas a choros calados e finalizadas com alívio. Por saber que, até 1 ano, o leite materno (LM) continua sendo o principal alimento, segui focando no mantra “vai passar”. Até que de fato passou e as coisas voltaram a ficar mais tranquilas.

Lá pelos 14, 15 meses, voltei a sentir perturbação.

Aproveito o ensejo pra comentar minha observação dos últimos anos nos grupos maternos e de apoio à amamentação. Esta fase por volta dos 14 meses é crítica, muitas mães pedem ajuda nesta fase, por perturbação, exaustão. Não sei explicar ainda muito bem o que acontece, mas desconfio que decorre de um pensamento inconsciente de que aquele ser, normalmente andante e que se comunica um pouco melhor não precisaria estar no peito o tempo todo, somado aos olhares julgadores que acham a mãe escrava do bebê, bem no meio de um enorme salto de desenvolvimento que transforma o bebê num ser mais dependente, inseguro e, ao mesmo tempo, contestador… Não sei bem explicar, sei que esta fase crítica existe, isto é recorrente em desabafos nos grupos de mães.

Bom, voltando aos MEUS 14, 15 meses… Com bastante perturbação, o desgaste e o desespero batendo, tentei o desmame noturno pelo método Gordon. Não recomendo. É um método sofrido e cruel, tanto que eu não conseguir levar adiante, pedi desculpas a Gabriel, voltei atrás e voltei a repetir meu mantra (“vai passar”). Passado o furacão salto, me dei conta que precisava me tornar mais ativa neste processo, restringindo a LD até que tudo se tornasse mais confortável para ambos.

Nesta época, institui o “lugar de mamar”. Passei a amamentar somente em 3 lugares: de dia, no sofá da sala, à noite na cama dele e de manhã cedinho na nossa cama, pois ele geralmente vinha quando estava amanhecendo e ficávamos ali até a hora de descer pra fazer o café, sair, resolver alguma coisa etc. No início, eu ia pra algum desses lugares o tempo todo. Toda hora. To-da ho-ra.

Também comecei a limitar as mamadas na rua. Inicialmente, pedia pra esperar eu encontrar um lugar pra sentar. Até porque ele já estava pesado e, mesmo no sling, já estava desconfortável.

Além disso, eu já não oferecia mais o peito, pra nada. Mas também não negava. Quando ele pedia, eu tentava entender a real necessidade e oferecer outras opções pra ele naquele momento, mas, se ele insistia, partia pra nossos lugares de mamar e dava o peito.

Assim seguimos. Demorou uns 3 meses, mais ou menos, pra eu conseguir notar que as mamadas diminuíram de dia, porque ele nem sempre queria sair de onde estava brincando e, assim, acabava escolhendo ou aceitando outras opções. Nesta fase, quando estava realmente com vontade de mamar, ele já me levava de mãos dadas pro sofá. Foi também nesta época que o pai tentou me dar uma noite de descanso, dormindo com ele, e, inacreditavelmente, conseguiu coloca-lo pra dormir todas as vezes que acordou, numa boa. A partir deste dia, trocamos de papéis na madrugada.

Aos poucos, quando fui percebendo que ele esperava tranquilo a procura por uma cadeira, eu fui aumentando a espera, quando estávamos na rua. Ao invés de sentar na primeira cadeira que tivesse disponível, eu dizia que íamos fazer alguma coisa antes ou que íamos sentar num lugar mais distante. Até que ele passou a não mamar mais na rua (exceto em momentos excepcionais, de sono, irritação etc).

Rotina de mamadas ajustada, tudo corria tranquilo, a amamentação voltou a ser prazeirosa, já estávamos pertinho dos dois anos e ela poderia durar mais alguns meses ou até anos!

Por volta dos dois anos, a perturbação voltou a aparecer. As mamadas que já eram mais curtas, começaram a ficar mais longas e ele ficava mais irritado no peito, soltando e pegando toda hora, gemendo, reclamando, mamando, mamando, mamando… Tinha noites em que eu chorava. Tirei todos os bicos (rígidos e sem válvula) e canudos, que ele usava eventualmente. Fui radical neste ponto. A pega melhorou muito, mas as mamadas ainda eram conturbadas, difíceis e longas.

Pouco mais de um mês depois, um atraso menstrual, um teste de farmácia positivo. Bingo. Estava explicada a perturbação e a dor ao amamentar, eu estava grávida. O mamilo fica extremamente sensível. A irritação dele, conclui que se dava à mudança de sabor do leite e diminuição da produção. As mamadas eternas eram tentativas de extrair mais e mais leite. Pra minha surpresa, ele começou a aceitar leite de vaca, coisa que eu oferecia eventualmente e ele nunca aceitara.

O incômodo e dor nas mamadas só foram aumentando e senti que precisava retomar o processo ativo de desmame. Ainda que não acontecesse um desmame completo, eu precisava, naquele momento, diminuir o ritmo, tentar passar por esta fase de uma maneira mais confortável. A esta altura, as mamadas “fixas” eram as de acordar, do cochilo da manhã e do sono noturno. Ao longo do dia, umas mamadas rápidas.

Importante mencionar que nesta época Gabriel iniciou fonoterapia e, 3 meses depois, entrou na escola, o que envolveu um longo processo de adaptação escolar. Leite diminuindo, mudando de sabor, fonoterapia, dificuldade de se expressar como queria, adaptação a um novo ambiente, preparações neurológicas pra um grande salto na fala que estava por vir, mudanças na rotina da casa, na disposição e disponibilidade da mãe… Tudo isso acabou deixando-o num estado de ansiedade imenso e, como não poderia ser diferente, acabou aumentando, em tempo e frequência, as mamadas.

Receita pro desespero, que de fato existiu. Mas a (minha) terapia ajudou. Segui ativamente na redução da LD pra minha própria sanidade.

A mamada da manhã foi a mais tranquila de acabar. Passei a acordar mais cedo ou a saltar da cama assim que ele chegava pra lhe oferecer café da manhã. Esta mamada (longa, por sinal), era fome.

Ao longo do dia, eu tentava ser sincera, explicar que incomodava, que o tetê estava sensível e doendo, oferecia opções, mas, quando via que ele realmente precisava, cedia.

Comecei a contar o tempo da mamada. Ele podia mamar até eu contar até 10, em cada peito. Nas primeiras vezes, confesso que ele mamou 4 ou 5 peitos, já que, chegava no 10 em um, ele queria o outro, depois outro etc. Mas aos poucos, ficamos 10 em cada um dos 2 peitos.

Pra dormir, eu precisei reformular a rotina. Ao invés de deitar com ele, eu passei a dar o peito na cadeira de balanço e ficar ali, balançando, até ele dormir pesado, quando, então, o colocava na cama.

Eu não sei precisar quando, nem por que, mas aos poucos ele já parava de mamar e ficava me olhando na expectativa de chegar no 10, pra largar o peito. Se divertia horrores nesta brincadeira, gargalhava quando chegava no 10! Como eu nunca oferecia (mas também não negava o peito), vi que as mamadas ao longo do dia foram diminuindo quando as coisas foram acalmando. Notei que em algumas noites ele já não pedia mais o peito e só dormia no balanço. Noite sim, noite não, noite sim, duas noites não, noite sim, 7, 10, 15 noites não… E, aos pouquinhos, esta mamada da noite foi desaparecendo também. Da mesma forma, a mamada do cochilo da manhã foi sumindo. Assim como o próprio cochilo acabou desaparecendo.

Não sei dizer exatamente quando se deu o desmame. Porque quando percebi, as mamadas se espaçaram dias, semanas, meses… Acho que foi por volta dos 2 anos e meio. Nesta idade, embora ele pedisse o peito eventualmente, já não mamava mais, apenas fingia mamar, beijava, fazia carinho… E estes gestos, que tinham alguma frequência,  foram espaçando mais e mais, até que hoje, aos 3 anos e meio, são raros e em situações de absoluta intimidade. Nem mesmo ver o irmão mamando desperta nele qualquer reação, que não de uma brincadeira ou outra de mamar, regada a risos e descontração.

Eu estava aberta para a hipótese de ele querer voltar a mamar, quando o irmão nascesse.  Mas em nenhum momento vi algum movimento neste sentido. Penso que a forma com que ele encara a amamentação e o próprio peito, hoje, são demonstrações de que, embora conduzido, este desmame ocorreu de forma bastante natural, pra ele. Nunca imaginei como seria o fim deste processo. Não enxergo como fim, afinal. A transição foi talvez a parte mais tranquila de toda a amamentação, porque envolveu muito respeito e cumplicidade. Eu me senti amada, compreendida. Descobri no meu filho um parceiro, um companheiro. Fiquei ainda mais apaixonada.

Biel mamando no parque

Uma das últimas fotos que temos dele mamando, mais de 6 meses antes do desmame. Infelizmente não tirei muitas fotos mais no fim da nossa amamentação. A verdade é que eu nem imaginei que estávamos chegando ao fim…

Relato de parto: nasceu e renasceu João

Em outubro de 2015, tive minha primeira e maravilhosa experiência de parir. Pari em casa de parto, 6h30 de trabalho de parto. Expulsivo curto, laceração apenas de 1º grau, embora tivesse tido puxos dirigidos (o que só me dei conta tempos depois). Pouco mais de 24h depois, parti pra casa feliz para nossa também maravilhosa lua de leite.

Exatos 2 anos depois, estava grávida novamente e, desta vez, queria repetir a experiência perfeita que tive, mas no entorno da nossa família. A melhor opção, pensamos, seria um parto domiciliar, para que nosso pequeno pudesse, se quisesse, ver a chegada do irmão; para que não precisássemos passar nem uma noite separados; para que os aninhássemos todos juntos naquele momento mágico de amor.
Tudo corria bem na gestação. Como na primeira, tudo perfeito, sem sequer enjôos, azia, nada! Nem mesmo a dor pela pressão do ciático, que me acompanhou durante toda a primeira gestação, apareceu. Passei os meses na minha rotina normal, dando conta de tudo e, agora, de um bebê de 13kg que requisitava bastante colo.
Fechamos nosso parto domiciliar, segui fazendo meu prenatal pelo convênio, para economizar nas consultas, já que o custo do parto não é baixo. A partir de 30 semanas, conforme combinado, comecei a fazer o prenatal com minha parteira, Tanila Glaeser (EO). Na primeira consulta, ela demonstrou um pouco de preocupação com meu tornozelo, operado pouco mais de 1 ano antes, devido a uma luxação talo-calcânea, com múltiplas fraturas no tálos e no 5º metatarso. A tranquilizei, já tinha marcado uma consulta com uma osteopata que, de fato, ajudou muito com as dores. Tanila é uma das mais conhecidas parteiras do movimento da humanização aqui em Salvador, mas sua fama carrega um mito de que suas parturientes, não raro, acabam passando vários dias com bolsa rota. No dia que saí da osteopata, mandei uma mensagem bem humorada: “Tani, não precisa se preocupar com o tornozelo, tá tudo certo, só precisa se preocupar com a bolsa rota”. Rimos.
Segui a vida, sem me dar conta do poder que as palavras proferidas carregam, até a madrugada de 16/06/2018. Acordei à 1h30, sentindo a calcinha úmida. Fui ao banheiro, fiz xixi e, em seguida, caiu um pouco de líquido. Cheirei, pedi pro marido cheirar, não sentimos o tal cheiro de água sanitária, pensei ser um corrimento em maior quantidade. Com o coração a mil, coloquei um absorvente e marquei meia hora no relógio, pra ver o que acontecia. Gabriel acordou neste momento e Amauri foi coloca-lo novamente a dormir. Dez minutos depois, uma quantidade imensa de líquido desceu de vez entre as pernas e não tive dúvidas, a bolsa rompeu. Liguei pra Tanila, que pediu pra eu arrumar nossa mala e ir ao hospital, ela me explicou que tudo mudara, o parto domiciliar não seria mais possível, eu estava com 33 semanas e 4 dias, precisaria ficar internada, fazer antibioticoterapia e tomar injeções de corticoide para amadurecer o pulmão do bebê, e aguardar em repouso o trabalho de parto ou, pelo protocolo, interromper a gestação com 34 semanas.
Com o coração na mão, arrumei tudo, deixamos nosso pequeno na casa da vizinha, liguei pra minha mãe vir do interior ficar com ele, e partimos pro hospital, onde ficaríamos pelos próximos 16 dias…
Como já sabíamos, fui internada, colheram amostras para descartar infecções e iniciaram atb profilático e injeções de corticoide. Nenhum exame apontou infecções, apenas o swab positivou para strepto B na vagina.
Como o contrato para o parto domiciliar estava automaticamente rescindido, Tanila nos indicou uma GO da equipe para, se quiséssemos, nos acompanhar a partir dali. Com receio do plantão (cujas taxas de cesárea, pelo meu plano, passavam dos 90%), fechamos com ela e recebemos sua visita no mesmo dia. Dra Bruna Bittencourt chegou no momento em que conversávamos com a fotógrafa, Lorena, que conhecemos também naquele dia (havíamos marcado para nos conhecermos e fecharmos naquela semana), e com quem dividíamos detalhes da nossa vida em família e nossa história como casal. Ficamos todos ali conversando, descontraídos, quando, então, passamos a ouví-la e discutir as condutas. Sabíamos que não queria uma cesárea, então a conduta seria induzir no dia que completaria 34 semanas. A indução seria feita com misoprostol por via oral, numa pequena dosagem de 2/2h. Caso chegássemos à dose máxima, tentaríamos outros métodos de indução, os quais não lembro mais a ordem sugerida. Ela também nos explicou as intervenções possíveis em caso de distócia, nos deixando seguros de que a cesárea só seria opção em caso de sofrimento fetal ou opção nossa, intraparto.
No domingo, ela nos trouxe um artigo de revisão que analisava dois estudos, comparando os desfechos entre a indução às 34 semanas e a conduta expectante até as 37 semanas, em casos de bolsa rota. Conseguimos os estudos na íntegra, e, após analisar e ponderar bastante todos os dados, vimos que não havia aumento significativo de desfechos positivos do parto e neonatais na conduta expectante, ao passo que havia um aumento de 3x no risco de corioamnionite, optamos por seguir o protocolo e os planos iniciais. Na terça pela manhã, induziríamos o parto.
Minha pressão vinha normal a gravidez inteira, porém no momento da internação, foi aferido 12×9. Dois dias depois, mais uma medição de 12×9. Fiz exames para descartar pré-eclâmpsia. No fim das contas, fui diagnosticada com hipertensão gestacional. Acredito que, por não mudar a conduta, este diagnóstico sequer me foi mencionado antes da indução.
A sensação de espera foi estranha. A ansiedade de aguardar pelo parto numa data marcada, pra mim, foi muito maior do que aquela de aguardar pelo incerto…
Na data marcada, acordei com cólicas fraquinhas, espaçadas e curtas. Lia, minha doula, chegou cedo ao hospital. Até a véspera, ela estava viajando e, ainda que tenha me enviado uma doula backup fofíssima pra eu conhecer, fiquei feliz por ter dado certo e ela ter chegado a tempo de me acompanhar. Passamos a manhã jogando conversa fora, foi ótimo ter uma doula já amiga, com amigos e interesses em comum, pra que pudéssemos fofocar bastante sobre coisas aleatórias e se desligar (um pouco) da questão que nos unia naquele momento.
Às 11h, depois de uma cardiotoco (que já vinha fazendo diariamente), tomei a primeira dose do misoprostol. Sabíamos que nas primeiras doses provavelmente não aconteceria nada, seguimos o dia normal. Com receio de acontecer como o primeiro parto, em que não consegui comer e fiquei com muita fome assim que pari, segui o dia comendo tudo e mais um pouco, em parte, também, por conta da ansiedade.
A tarde, Tanila também chegou, pois ela também acompanharia a indução e tratou de sugerir aumentar um pouco a dose do miso. Ao invés de tomar a cada 2h, passei a tomar a cada 1h (uma dose ajustada). Lá pela 4ª dose, ela sugeriu deambular pelo corredor. Lá fomos, eu e Lia, obedecer! Andamos de um lado pro outro, subimos e descemos escadas, andamos mais um pouco… Nada.
Deitei um pouco pra descansar, Dra Bruna sugeriu que eu tentasse dormir, pois podia ser que entrássemos pela madrugada e eu precisaria de energia. Meu pai estava presente e tenso. Neste momento todos haviam saído pra comer alguma coisa e ele perguntou por que não fazíamos uma cesárea pra acabar logo aquilo. Afirmei que não, tínhamos convicção de que o parto normal era a melhor opção, pra mim e pro João, que receberia a primeira vacina através da minha flora vaginal e conseguiria, através da pressão pelo canal vaginal, expelir mais líquidos do pulmão, o que lhe daria uma chance maior de nascer bem, mesmo sendo prematuro. Ele respeitou e continuou ali, acompanhando, me guardando e observando.
Deitada, voltei a sentir as cólicas fracas que tive de manhã, mas ainda espaçadas. Não consegui dormir, levantei pra comer mais um pouco, eram umas 18h e havia chegado o café. Lia disse que, embora espaçadas e fracas, as cólicas tinham ritmo, sugeriu que deambulássemos um pouco mais, após a próxima dose.
Pouco depois das 19h, voltamos aos corredores, a fotógrafa chegou neste momento para registrar tudo. Ficamos ali andando e as cólicas começaram a ficar um pouco mais fortes, me fazendo parar para aguardar passar. Não pareciam contrações, pelo menos não como as que tive no primeiro parto, então achei que tudo ainda demoraria muito pra engatar. Enquanto isso, conversávamos sobre nossos pequenos, nossa maternagem, nossos planos futuros, nossos preparativos para a chegada do irmão mais novo (Lia também está grávida)…
O espaço entre as cólicas começou a ficar mais curto, comecei a encontrar dificuldade para ficar ereta quando elas vinham, tive certeza que tudo estava começando a acontecer. Comecei a vocalizar nas contrações, a ficar irritada com o curto intervalo, a ficar com medo. Lembro que, no primeiro parto, não aturei toque, não aturei música, não aturei cheiros… De repente, com suas massagens, Lia conseguia aliviar em parte a dor. Comecei a sentir um cheiro de lavanda, que vinha do óleo que ela passava nas minhas costas, e achei gostoso. Comecei a ouvir uma música e a me concentrar nela…
Já não parecia ter intervalos entre as contrações. Acabava uma, vinha outra, fui me enchendo de raiva daquele processo, fomos pro chuveiro. A água quente, como sempre, é a maior aliada para a dor, fiquei ali por um tempo que parecia uma eternidade, mas depois fiquei sabendo que foram poucas contrações. De repente senti o círculo de fogo, desconfio que João só não nasceu ali porque a cadeira segurou, rs.
Avisei que estava sentindo ele descer, vi o corre corre pra pegar a maca, me vestiram uma camisola e deitei respirando fundo a cada contração. Meu bebê seria prematuro e uma das coisas que sabia é que, estando no hospital, cheio de protocolos, era importante que ele nascesse no Centro Obstétrico, para não deixar a neonatologia ainda mais apreensiva. Segui respirando e me concentrando para que ele não nascesse no corredor. Chegando no CO, precisava trocar de maca, aguardava um intervalo de contrações, mas eles eram muito curtos, trocar de maca ficou inviável. Até que, numa contração, não deu mais pra segurar, fiquei de 4 na maca e ele nasceu num puxo só. Nasceu inteiro cheio de vérnix, escorregou de uma vez…
Eram 21:27. Colocaram ele no meu colo, pedi pra dar o peito, mas a pediatra insistiu que ele fosse avaliado imediatamente e pediu pra clampear o cordão. Não aguardaram ele receber todo o sangue a que ele tinha direito. Ele foi avaliado, coberto, pesado, medido… Recebeu apgar 9/9, nasceu perfeito, 2.480g, 45cm, PC de 32,5cm.
A pediatra, entretanto, nos informou que o protocolo do hospital era de que todo prematuro deve ficar em UTINEO até completar 35 semanas. Meu mundo caiu ali. Em nenhuma das nossas ponderações, ao considerar a conduta expectante, imaginamos existir tal protocolo. A USG feita no internamento apontava uma estimativa de peso de 2.254g, acreditamos que, nascendo com bom peso (acima de 2kg), nascendo bem e após as 34 semanas, ele viria para alojamento conjunto. Jamais nos ocorreu pesquisar sobre isto, pra gente o alojamento conjunto era algo certo, se desse tudo certo.
Meu parto perfeito virou desespero. Pedi pra colocá-lo no peito, pedi pra ficar um pouco com ele no colo, vi que a equipe insistiu e ela permitiu que ele ficasse alguns minutos comigo e mamasse um pouco. Não lembro quanto tempo foi, mas com certeza foi muito menos que a hora dourada que tanto sonhei e sei que ele merecia. Ele mamou lindamente.
Pedimos que não pingassem o nitrato de prata, assinamos um termo de responsabilidade e o pouparam disso. Permitimos que tomasse a vitamina K. Pedi que não dessem mamadeira, nem leite artificial, ela disse que, pra isso, eu precisaria estar na UTI pra amamentar dali a 3h. E foram embora, com o pai acompanhando. No CO, reinou o silêncio, toda a equipe estarrecida e atônita, eu em prantos, não conseguia parar de chorar, esqueci que o parto não acabara ali, esqueci que precisava ainda parir minha placenta, esqueci de toda chuva de ocitocina que recebi minutos antes. Eu só conseguia chorar. Dra Bruna tentou me dar forças, me consolar, mas eu não conseguia parar de chorar. Eu pari, mas não tinha um bebê nos meus braços. Foi das piores sensações que já senti.
Alguns minutos depois, comecei a sentir os puxos, em poucas contrações, pari a placenta íntegra e continuei meu luto. Queria levantar e sair correndo atrás do meu bebê, mas estava submetida aos protocolos hospitalares. 1h de observação ainda no CO. Subi pro quarto. Precisava comer, precisava tomar banho sem desmaiar, precisava ficar em observação por 2h com medições de sinais vitais a cada meia hora. Pelas minhas contas, não daria tempo de chegar na UTI para a próxima mamada, entrei em desespero. Enquanto o lanche do hospital não vinha, comecei a comer o que tinha no quarto. Quando chegaram, comi também tudo o que me serviram. Sabia que precisava ter forças pra levantar, senão não me deixariam descer.
Consegui tomar banho sem desmaiar, Dra Bruna conseguiu convencer a enfermagem a me liberar logo após o banho e medir os sinais vitais na volta. Neste meio tempo, já haviam ligado da UTI, pois estava chegando o horário da próxima mamada, mas alguém conseguiu convencê-los de que eu desceria em instantes e disseram que aguardariam até 1h da manhã. Terminado o banho, desci correndo pra reencontrar o meu bebê. Consegui chegar a tempo, a mamadeira com 15ml de LA já estava pronta, ali ao lado. Por conta do horário, tive que ficar sozinha (a partir das 21h só permanece pai ou mãe, não os dois), ele pegou o peito e mamou. Desabei em lágrimas e comecei a cantar a última música que lembrava do trabalho de parto, “Reconhecimento”.
Não lembro quantas vezes cantei esta música nos dias seguintes, nas longas horas que passei na UTI, amamentando, acalentando e aquecendo João. Foram 12 longos dias de uma rotina puxada de UTI. Dra Bruna conseguiu me manter internada por 6 dias após o parto, fiz diversos exames para encontrar qualquer questão que justificasse minha internação por mais tempo, mas a recuperação deste pós parto seguiu perfeita, até mesmo a discreta anemia que apareceram nos últimos exames grávida, desapareceu.
Depois da alta, consegui acolhimento de uma amiga linda, Roberta, que mora a 10 minutos do hospital, onde deixamos nossas malas e íamos 1x ao dia tomar banho. Dormíamos no hospital, num quarto de descanso para os pais da UTI, que dispunha de algumas poltronas reclináveis. Não era lá muito confortável, mas dava pra descansar. Foram 12 longos dias subindo e descendo pelo hospital a cada 3h, no mínimo. Algumas noites só me permitiam 30 minutos de descanso entre as mamadas, pois logo João já chorava novamente. Ainda assim, agradeço o fato de que todas as enfermeiras e técnicas da UTI foram extremamente apoiadoras do aleitamento, me ligando em todos os momentos em que ele chorava, para que eu fosse aleitar, ao invés de tomarem o caminho mais fácil, que seria pedir uma mamadeira. Já me bati com uma técnica literalmente correndo pelos corredores atrás de mim, que não havia atendido o telefone do quarto, pois havia saído pra comer…
Depois de 12 dias de UTI, finalmente conseguimos ir pro alojamento conjunto, já foi um alívio imensurável, que nos deixou claro que tudo nesta vida é fruto de comparação. Lembro que, quando Gabriel nasceu, 24h depois eu já estava impaciente no quarto, querendo ir pra casa. Quando fomos pro quarto, com João, já fiquei em paz e achei que ficar ali por mais uns dias já nem seria tão ruim… Felizmente, 24h depois, tivemos alta e pude vir pra casa, iniciar finalmente meu puerpério e curtir minha família. Foram 16 dias longe de casa. Foram 7 dias sem ver Gabriel, que ficou doente neste meio tempo. Foram 13 dias pós parto pra, em casa, finalmente me dar conta de que tinha um bebê nos braços, pra me sentir realmente feliz e aliviada. Estar em casa com as duas crias é realmente mágico.
Durante o período de internamento, ecoou na minha cabeça uma frase repetida no mundo da humanização: “cada mulher tem o parto que precisa”. Senti muita raiva desta frase, chorei muito repetindo esta frase, sem entender o porquê de eu precisar passar por tudo aquilo. O que eu eu precisava “pagar” pra ter que passar por esta experiência? Quem já teve um filho na UTINEO sabe o quanto é difícil. É difícil passar por 2 ou 10 dias disso, é difícil passar por 2 ou 4 meses disso. É uma experiência sempre difícil, independente do tempo que dura. Não sei de onde tiramos forças pra continuar lutando por eles. Conheci muitos pais admiráveis que já estavam passando por isso há dias, semanas, meses… É uma força que não sei de onde vem, que surge de um, contagia o outro e retorna pra gente de novo. Parece que todos são filhos de todos e todos guardam todos os bebês, dividindo a companhia e tentando manter um clima ameno entre si nos intervalos das mamadas. Ainda assim, me senti muito injustiçada por passar por isso. Até que, já no alojamento conjunto, as coisas ficaram mais claras. Sim, tive o parto que precisava. No dia que induzimos, passei o dia em meio a uma irmandade de mulheres, no melhor clima possível, dentro da situação. Esta mesma irmandade que se solidarizou comigo no pós parto imediato, assim como nos dias que se seguiram, acompanhando passo a passo cada evolução de João. Meu trabalho de parto engrenou rápido, foram pouco mais de 2h desde a primeira contração. Meu expulsivo foi a jato. Tive uma micro laceração de 1º grau, que sequer precisou de pontos e sequer me incomodou em algum momento. Não tive sangramento excessivo no pós parto. Minha recuperação foi excelente, acima da média. Foi o parto que eu precisava. Não fosse tudo perfeito e rápido como foi, talvez não tivesse força física para estar presente na UTI desde a primeira mamada, talvez não tivesse resistido a rotina intensa dos dias que se seguiram, talvez não tivesse conseguido manter a presença e o aleitamento materno exclusivo, numa rotina extenuante de mamadas e ordenhas regulares, alternadas com descanso em locais nada confortáveis. Foi o parto que eu precisava para conseguir ser a mãe que João precisava naquele momento.
Equipe:
GO: Bruna Bittencourt
EO: Tanila Glaeser
Doula: Lia Sfoggia
Fotógrafa: Lorena Vinturini
Presenças: papai Amauri e vovô Carlos
Local: Maternidade Santamaria, Hospital Português, Salvador-BA

Amamentação na Gravidez

Continuo amamentando Gabriel, tenho notado um grande choque das pessoas quando menciono este fato. O senso comum, infelizmente, pensa que manter a amamentação durante a gravidez pode ser, de alguma forma, prejudicial pro feto ou pro bebê mais velho. Aí ressurge a velha crença de que o bebê já não precisa mais, afinal ele já pode comer e tomar outros leites. Ressurgem os mitos de que o leite já não “presta” mais, afinal, passou de 6 meses o leite materno vira água! Tudo mito e preconceito!!

Cansamos de ver indicações de desmame, inclusive de profissionais da saúde, com a desculpa de que a amamentação causa parto prematuro. Nos grupos maternos, vemos alertas de que a mera manipulação do mamilo poderia antecipar o parto! É o mito mais comum, justamente porque reforçado pela assistência durante o prenatal. Na maioria das vezes, no entanto, existe a proibição de amamentar, mas o sexo e a atividade física fica liberada. Faz sentido isso? Nenhum! Amamentar libera tanta ocitocina quanto outras atividades prazeirosas, mas nosso corpo trabalha pra manter a gravidez em curso, durante a gestação o útero quase não tem receptores de ocitocina e ainda conta com a ação da progesterona para que o hormônio não tenha contato com estes receptores.

Amamentar grávida pode ser bastante desafiador. Existem a possibilidade grande de sentir perturbação, que é uma sensação física muito desagradável, durante o ato de amamentar. Os mamilos ficam mais sensíveis. E existe, ainda, o risco de mudar o sabor do leite, e de a produção de leite diminuir bastante, chegando até a secar completamente em alguns casos. Pro bebê mais velho, sentir estas mudanças pode gerar uma grande ansiedade e uma instabilidade emocional enorme.

É preciso estar preparada para acolher este bebê, pois as mudanças serão inevitáveis! Por isso mesmo, a amamentação pode ser uma grande aliada para manter a estabilidade do bebê mais velho. Com a queda na produção, muitas mães acham que o peito não é mais necessário, mas isso pode não ser verdade, pois o peito é muito mais que alimento, é conforto e segurança, fazer um desmame (muitas vezes abrupto) nesta período pode ser um tiro no pé, pode aumentar ainda mais a instabilidade emocional do bebê mais velho.

Às vezes o bebê continua mamando no peito seco. Às vezes ele desmama naturalmente nesta fase. Às vezes ele quer voltar a mamar quando o leite retorna. Às vezes não… É importante estar atenta aos sinais que seu filho te dá. Nesta fase difícil, fisicamente e emocionalmente falando, não vejo problemas que fazer ajustes na amamentação. Colocar alguns limites, fazer combinados, ir ajustando a demanda gradualmente, até para preparar o mais velho para o fim da disponibilidade total, que acontecerá com a chegada do irmão. Tente acolher os anseios de ambos que surgirão, tenha em mente que, eventualmente, as coisas se ajustarão, não precisa ficar com medo.

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Beijão!

Mari