Relato de parto: nasceu Gabriel!

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Eu sempre fui convicta de que, quando engravidasse, daria à luz numa cesárea. Eu sabia que minha mãe havia perdido um bebê antes de mim no trabalho de parto e que, desde então, havia optado pela cesárea nos demais partos. Eu pensava: “eu e meu corpo somos tão parecidos com a minha mãe em tantos aspectos, eu também não vou conseguir parir normal, melhor não arriscar”… Não era da dor que eu tinha medo. Da mesma forma que era convicta que teria uma cesárea, era convicta também que o parto normal era a melhor forma de nascer.

De uns três, quatro anos pra cá, entretanto, alguma coisa aconteceu que me fez buscar uma mudança de estilo de vida. Comecei numa dieta para emagrecer e terminei com a consciência de que a gente se abandona nessa vida corrida e esquece que a vida pode ser moderna sem deixar de ser saudável ou natural. Aliado a isto, estava em pleno crescimento o movimento pela humanização do parto, o qual acompanhei de longe, sem a menor perspectiva de ter filhos por tão cedo.

Acompanhei de longe, mas a semente estava plantada. Assim que descobri a gravidez, veio o conflito das minhas antigas e novas convicções e, de tanto que ouvia falar, a primeira providência que tomei foi assistir com Marido ao filme “O Renascimento do Parto”. Chorei quase o tempo todo e naquele dia minhas antigas convicções viraram pó. Restava saber o que fazer pra conseguir o meu parto, pois, mesmo de longe, eu sabia que o caminho era difícil.

Lembrei então de uma amiga de uma amiga que havia tido um lindo parto domiciliar 6 meses antes e, providencialmente, eu tinha seu contato. Mandei umas mensagens meio sem noção, de desespero, e ela então me acolheu. Até hoje me acolhe e foi um presente que Gabriel trouxe pra minha vida. Lia então me pegou pelo braço e me encheu das informações que eu precisava pra iniciar a procura do meu parto. Aliado a isto, a terapia que eu já fazia há uns meses foi essencial pra que eu construísse a segurança que eu precisava nesta jornada.

Comecei o meu pré natal com um ginecologista obstetra (GO) que me parecia ser bastante humanizado. Desde a primeira consulta, incentivava o parto normal e era bastante acolhedor e experiente, tirava as nossas dúvidas na maior calma, não tinha muita “frescura” e isso eu adorava, pois sempre achei parte das recomendações dadas às grávidas meio exageradas. Em paralelo, me consultei com o Dr Rone Peterson, apenas para ter uma segunda opção. Minha segunda opção virou a primeira desde a primeira consulta, mas segui com os dois médicos em paralelo, até quase o fim da gestação. Enquanto o primeiro GO foi me deixando com o pé atrás ao longo do tempo, Dr Rone nos deixou seguros de que, com ele, conseguiria o meu tão sonhado parto, pois eu via nele uma dedicação especial, as consultas eram mais completas, eu nem precisava perguntar nada e ele esclarecia cada dúvida comum nas fases gestacionais, além de tirar nossas dúvidas, tudo isto com respostas baseadas em evidências científicas, que eu, claro, pesquisava “por fora”. Nos apaixonamos. Decidimos que queríamos parir assistidos por ele.

Houve, então, uma semana de hormônios a mil, em que liguei chorando pro Marido, com aquelas loucuras de grávida que acha que tudo vai dar errado. Para manter as coisas nos eixos (como ele sempre faz), Marido sentou comigo e começamos a fazer um checklist das coisas que tínhamos a fazer até o nascimento de Gabriel e uma dessas coisas era conhecer o Centro de Parto Normal da Mansão do Caminho (CPN). Confesso que, a esta altura já estava tão apaixonada pelo meu GO que a ideia de parir no CPN já era distante, mas fomos lá conhecer. Foi o que bastou para derrubar mais uma vez as minhas convicções. Saímos de lá tão encantados com a estrutura, a filosofia, o atendimento tão humano que tomamos nossa decisão, na 36ª semana de gravidez: o parto seria no CPN. Mantivemos Dr Rone como nosso plano B, pois as regras do CPN são bem rígidas, principalmente em relação ao tempo gestacional.

Decisão tomada, restava aguardar pelo parto. Eu tinha certeza que Gabriel viria depois de 40 semanas, meu pai jurava que ele viria no dia 24/10 (sem qualquer motivo, diga-se de passagem) e, no dia 24, minha mãe chegou pra ficar conosco, pra me acompanhar nesta etapa final e me ajudar no puerpério. Meu pai já ligava toda hora e lembrava que eu deveria avisar a qualquer sinal de trabalho de parto.

Vale lembrar que, diante do trauma de perder um filho, meus pais, embora desde cedo tivessem apoiado a minha decisão de parir, nunca foram simpáticos à ideia de parir em um lugar sem centro cirúrgico, pois, como ele mesmo disse, as emergências obstétricas ocorrem de uma hora pra outra e uma cesárea pode ser necessária emergencialmente. Quando conversamos sobre isto, fiquei bem balançada quanto à minha escolha, mas Marido estava muito seguro e sempre me dava a força necessária pra seguir. Se nós não estivéssemos convictos JUNTOS das nossas escolhas, com certeza minha insegurança daria um fim diferente a esta história.

Paralelo a isto, eu tive o acompanhamento da minha doula, Júlia. Escolhi Júlia porque, assim como Marido, sua visão deste processo sempre me pareceu bem prática, às vezes eu ficava até assustada com as informações que ela me trazia, que muitas vezes me pareciam um balde de água fria, mas que hoje sei que eram necessárias, pois se já sou emotiva normalmente, grávida, então, precisava ser colocada nos eixos de tempos em tempos.

Bom, minha mãe, então, havia chegado e, na segunda-feira, dia 26/10, tivemos um último encontro com Júlia, em que ela me deu informações sobre como proceder antes e durante o trabalho de parto. Como eu já estava com 39 semanas, passou também alguns exercícios que eu podia fazer para induzir naturalmente o parto, assim como chás e alimentos que eu poderia consumir para este fim, se quisesse. Eu estava com uma colicazinha fraca e só. Ela pegou na minha barriga e disse que o que eu pensava ser movimento de Gabriel eram contrações de treinamento. Vim pra casa com a recomendação de sempre ir pra cama cedo, para o caso de o trabalho de parto iniciar de madrugada, e me alimentar bem.

À noite, tomei um chá de canela com pimenta preta, fiz alguns exercícios na bola de pilates e fui dormir (tarde, às 22h, pois tinha ido a uma reunião de condomínio). Era virada de lua.

Exatamente às 23h45, acordei com uma contração. No mesmo momento, entendendo que não teria condições de acompanhar aquilo, baixei um aplicativo para medir a frequência e o tempo, se continuasse a tê-las. Achei melhor não acordar ninguém ainda, pois uma contração só não era sinônimo de trabalho de parto ativo. Continuei deitada, tentando relaxar e dormir um pouco. A voz de Júlia ecoava o tempo todo: “descanse, descanse, descanse”. Simplesmente não dava pra descansar. O máximo de descanso que consegui foi permanecer deitada, evitando, pelo menos, mais gasto de energia. As contrações vinham a cada 15 ou 13 minutos. Eram dolorosas, mas suportáveis, ainda mais porque, no intervalo entre elas, simplesmente parecia que nada estava acontecendo.

Às 2h da manhã, o intervalo entre as contrações já era de 10 minutos, então resolvi acordar marido. Disse-lhe que Gabriel estava a caminho e ele imediatamente começou a colocar as coisas no carro e organizar tudo. Com esta movimentação, minha mãe acordou e, ao saber o que estava acontecendo, também se arrumou, certa de que logo partiríamos pro hospital.

Eu estava muito calma. Tentava acalmar Marido e minha mãe, dizia que o intervalo entre as contrações estava muito grande ainda, que deveríamos esperar mais. Arrumei minha bolsinha de maquiagem pensando que quando chegasse no CPN, no intervalo entre uma contração e outra, me arrumaria pra sair bem nas fotos… Meio sem muita fé no trabalho de parto, liguei pra Júlia, que novamente me orientou a descansar. Sugeriu que eu tomasse um banho quente, para que as contrações espaçassem e eu conseguisse dormir nos intervalos, e que colocasse uma bolsa de água quente na lombar para aliviar a dor, enquanto ela iria acompanhando e vendo a hora de vir ficar comigo. Neste momento, ligamos pro meu pai, que viria ainda do interior, e queria muito me assistir no parto.

Entrei no chuveiro. Ah, a água quente é realmente milagrosa. As contrações que tive no chuveiro, marquei como fracas no aplicativo, tamanho o alívio da água. O tempo entre as contrações, entretanto, pareceu diminuir e, ao sair do banho, o intervalo não chegava a 5 minutos. Júlia então sugeriu que aproveitássemos o trânsito tranquilo da madrugada e nos encontrássemos no CPN. Já passava das 4h da manhã, demoramos a sair, pois meus movimentos, com contrações quase a cada 3 minutos, eram lentos, sempre parando para segurar a dor.

A dor, aliás, é grande, embora eu não ache que seja insuportável. De todas as contrações, se marquei 3 como “fortes”, foi muito. Como “muito fortes”, não marquei nenhuma. O mais louco é que é uma dor meio incontrolável, em que você se sente completamente inútil e incapaz de fazer qualquer coisa que possa ajudar a aliviar. Penso que é uma dor de treinamento pra a maternagem, em que tantas vezes nos pegaremos sem saber o que fazer. Durante as dores, virava bicho, não queria toque, não queria carinho, não queria música. Até a bolsa de água quente me dava raiva e ai se alguém inventasse de fazer qualquer tipo de massagem (até eu mesma). No intervalo entre as dores, parecia que nada estava acontecendo, dava realmente pra esquecer o que acontecera segundos antes.

Enquanto me preparava pra sair, me bateu um desespero, pois eu estava de mãos atadas, simplesmente não sabia como reagir àquilo, me arrependi amargamente de ter optado por passar por isto e só sabia repetir “eu não sei”, “eu não vou conseguir”.

Quando saímos, estava chovendo. Há semanas não chovia. Foi mágico, pois no Cordel que escrevi para Gabriel, associo sua chegada à chuva que cai e traz felicidade ao sertanejo.

Também no carro não encontrava posição. Sempre ouvi que a pior posição para o trabalho de parto é a deitada, mas eu só me sentia minimamente confortável deitada (de lado), inclusive no carro fui assim, com a cabeça no colo de minha mãe e abraçando um travesseiro.

Já em Pau da Lima, perto do CPN, comecei a sentir puxos durante as contrações, o desespero cresceu, pois não podia fazer aquilo ali, daquele jeito. Fiquei tensa e a bolsa estourou, sabia então que a coisa só podia piorar.

Chegando no CPN, fui à sala de admissão e a médica então fez o exame de toque, o primeiro de toda a gravidez, e disse “seu bebê já vai nascer”. Eu estava com 10cm de dilatação. Enquanto ela preenchia qualquer coisa no computador, veio uma contração e a técnica então disse que me levaria imediatamente à sala de parto.

Na cama de parto, comecei a tentar fazer força durante as contrações, mas não conseguia me concentrar, não conseguia respirar corretamente, estava com medo. Júlia chegou e, não sabendo dos meus ataques de histeria, imediatamente colocou música, como havíamos combinado, eu fiquei nervosa, mas não conseguia falar, até que Marido percebeu e falou pra ela desligar. Ela viu minha feição de medo e ficou ao meu lado, me acalmou, me confortou, me mostrou que eu podia, sim, fazer aquilo, e trouxe minha concentração de volta.

Na contração seguinte, respirei fundo e fiz uma força longa. Tão longa, que a enfermeira que me assistia pediu que eu a interrompesse, o que não foi possível (quando a gente começa a força, não quer mais parar). Nasceu a cabecinha de Gabriel. Fiquei ali olhando aquela cabecinha cabeluda penduradinha pra fora de mim. Foi incrível, estranho, assustador, tudo ao mesmo tempo, mas a principal sensação era de alívio, parecia pra mim que tudo tinha terminado ali. Alguns minutos depois, mais uma força e Gabriel saiu por inteiro, todo branquinho de verniz escorregadio e veio choroso pro meu colo, onde imediatamente se acalmou.

O cordão umbilical estava literalmente amarrado à sua perninha esquerda, mas pulsou por alguns minutos, quando foi então clampeado e cortado pelo pai (que não queria, mas foi convencido pela enfermeira).

Gabriel ficou no meu colo e mamou. Depois ficou nos admirando, reconheceu a voz do pai, ficou contemplando este novo mundo onde recém chegara. Enquanto ele mamava, recebi ocitocina, para evitar hemorragia e, em poucos minutos, mais uma força e pari a placenta.

Aos 55 minutos de vida, nos pediram autorização para fazer os procedimentos no bebê, apesar da regra do local ser esperar pelo menos 1 hora, mas haveria troca de turno. Autorizei, todos os procedimentos foram feitos no mesmo quarto, a maioria num bercinho do meu lado, não vi Gabriel chorar durante nenhum deles, nem das vacinas, e tudo o que estava sendo feito era antes informado pra mim, mesmo os procedimentos protocolares dos quais não caberia proibição de minha parte.

Com 39 semanas e 2 dias, Gabriel nasceu, às 6:17, do dia 27/10/2015, na presença de seu pai e sua avó, medindo 46,5cm, pesando 3,145kg. Recebeu colírio de nitrato de prata, injeção de vitamina k, e vacinas BCG e Hepatite B.

Eu sofri laceração de 1º grau e levei alguns pontos. A recuperação está sendo tranquila, sinto somente um incômodo dos pontos, quando vou ao banheiro, mas já consigo fazer qualquer atividade normalmente desde que cheguei em casa, no dia seguinte.

O parto foi assistido pela enfermeira obstetra Cristiane Oliveira Santos, pela minha doula Júlia Falcão Torres e pela técnica de enfermagem Rosa. Infelizmente, nossa querida fotógrafa, Lia, não conseguiu chegar a tempo de registrar o nascimento, mas chegou a tempo de dar o abraço e as palavras carinhosas, como em toda a gestação.

Agradecemos demais a todos os funcionários do CPN, que nos assistiram tão bem, antes, durante e após o parto. Fico emocionada de lembrar que existe um lugar tão humano e tão perto da gente, que pôde nos proporcionar este momento tão incrível das nossas vidas. Muito obrigada a todos.

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